sexta-feira, 20 de maio de 2011

fim da linha


Vou adiantar algumas coisas desde já. Sou de pele morena, já passo dos quarenta anos, a calvície já me ataca porem os fios brancos nunca me deram acenos. Nasci em uma cidade pequena e calma no interior. Tinha uma altura mediana relacionado a minha época, mas hoje em dia isso nem faz mais sentido. Há quem diga que meus olhos eram muito atraentes mais que meu físico, era uma espécie de cereja do bolo.
Em minha juventude fiz de tudo que um homem poderia fazer numa vida. Penei, ralei, rastejei. Como se já não bastasse o pequeno defeito que eu tinha desde que nasci, mas nunca foi o problema isso. Cresci rodeado de minha família, mas perdi um irmão e meu pai muito novo. E me perdi um pouco.
Viajei, trabalhei, gastei por boa parte da minha vida. Por muito tempo vivi em um patamar social invejável a muitos daquela época, um bom emprego, um punhado de poucos bons amigos, uma família meio que agradável, e mulheres belíssimas a minha volta. Belíssimas. Ouro, prata, dinheiro, boa comida, boas garrafas de bebidas, aceito em todos os bares e festas da sociedade. Um boa praça bem de vida. Me adaptei a um certo vicio, mas isso não vem ao caso talvez mais a frente ele apareça por aqui.
E toda praça merece um banco não é!? E eu um boa praça fui logo precisando achar um banco para me acostar. Já era o fim da década de 70 me engracei com uma moça encantadora. A desfrutei e a fiz desfrutar de maravilhosas coisas. Tudo o que o meu dinheiro podia proporcioná-la. Ficamos juntos por pouco tempo, o suficiente para ela conceber-me meu primeiro filho. Meu varão.
A felicidade foi tamanha, mas não por muito tempo. A principio ela era encantadora, mas não demorou muito e finalizamos nossos laços e quebramos alguns vínculos. Ela partiu, mas fiz questão de que ela deixasse meu filho aqui comigo, queria ele crescendo junto a mim. Mas eu como homem sem nenhuma experiência não saberia como educá-lo. E nada melhor que minha mãe, ela mais do que ninguém saberia como educá-lo.
Sendo assim fui gastar, torrar e descompensar meu dinheiro novamente. Isso por longos 10 anos, e sempre com meu vicio na boca e na mão. Um bom charuto.
E novamente aqui repetirei “toda praça merece um banco não é!?” Foi então a parti dali que conheci minha segunda mulher. Mas dessa vez foi diferente, os assentos de seu banco eram novos, a madeira era fresca, acostar-me me remetia uma espécie de calmaria. Ela me fez descansar de tudo o que eu havia vivido ou sofrido. Me fez repensar em todo o dinheiro que eu já tinha gastado, isso foi o que mais me lamentei. Irônico achei mais uma vez um banco agradável na praça, mas desta vez nem ao menos roupas bem aperfeiçoadas eu me vestia, nem meus melhores perfumes, cordões de ouro, e na mão nem mais o charuto. Era só um cigarro barato. Mesmo assim ela me deixou acomodar em seu assento. O mais surpreendente é que eu a vi crescer, mas nunca imaginei que estaria ali com ela.
E assim se sucedeu, casamo-nos. Apesar de nada de luxo eu oferecer a ela, mas sempre ela me contemplava com sua dose de carinho, pratada de delicadeza, uns cordões de nobreza e a tragada de beleza. E me fez feliz por muitos anos assim.
Me fez mais feliz ainda quando me concebeu com duas jóias raras. Duas belezas, duas filhas. Lindas filhas. E puxaram as minhas cerejas, mas o recheio devo confessar que puxaram todo de minha mulher, tinha as mesmas doses de carinho, os pratos de delicadeza, cordões de nobrezas e principalmente tragadas de beleza. Agradeço muito a minha mulher por ter me dado tantas alegrias, agradeço mais ainda  por ter terminado de educar meu varão.
Mas como todo banco de praça novo e bem madeirado, o tempo passa e o trata de se fazer desgastado, e os cupins começam a se acomodar. Talvez a culpa  foi de quem se sentou, e não cuidou, infelizmente desgastei meu banco, minha esposa, o meu amor, e minha vida. Talvez por não ter mais todo aquele dinheiro e luxo de antes.  Comecei a descontar minhas lamentações  em cima dos que viviam a minha volta e me queriam bem, nunca me conformei com a forma que fui perdendo meu dinheiro e consideração que tinha de todos antes.
Foi desde então que entrei numa depressão profunda, essas de não querer falar com ninguém, não falar pra ninguém, não falar de ninguém, não ser ninguém. Fui perdendo o brilho do meu olhar conforme perdia o brilho da minha vida, não sentia animo pra nada. Minha mulher não agüentava mais tanto desamor, tanto desapego. Ela não queria que nossas filhas crescessem num ambiente tão desgastado. Nos separamos.
Mas eu não agüentei, deprimido ou não, sem brilho ou não. Ela ainda me trazia a paz mais do que ninguém. Queria o que pelo menos era meu de fato estivesse junto a mim. No reatamos.
Mas minha ignorância foi maior, e nada do que ela fazia nem minha filhas adiantou. Adoeci calado, não queixava a ninguém, fui morrendo aos poucos em silencio. Por muitos anos senti minhas dores, de olhos fechados para que nunca vissem minhas lagrimas, eu era machista demais pra me expor assim. Mas houve um dia em que tudo dentro de mim não se agüentou mais. As represas se abriram, a angustia gritou, a dor me sacudiu. Morri sozinho, longe do meu banco, do luxo, do dinheiro, da praça, de meu varão, das minhas jóias, da alegria. Apenas com a bagana de cigarro na mão. 
(Ilana Odorico)


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