Vou adiantar algumas coisas desde já. Sou de pele morena, já
passo dos quarenta anos, a calvície já me ataca porem os fios brancos nunca me
deram acenos. Nasci em uma cidade pequena e calma no interior. Tinha uma altura
mediana relacionado a minha época, mas hoje em dia isso nem faz mais sentido.
Há quem diga que meus olhos eram muito atraentes mais que meu físico, era uma
espécie de cereja do bolo.
Em minha juventude fiz de tudo que um homem poderia fazer
numa vida. Penei, ralei, rastejei. Como se já não bastasse o pequeno defeito
que eu tinha desde que nasci, mas nunca foi o problema isso. Cresci rodeado de
minha família, mas perdi um irmão e meu pai muito novo. E me perdi um pouco.
Viajei, trabalhei, gastei por boa parte da minha vida. Por
muito tempo vivi em um patamar social invejável a muitos daquela época, um bom
emprego, um punhado de poucos bons amigos, uma família meio que agradável, e
mulheres belíssimas a minha volta. Belíssimas. Ouro, prata, dinheiro, boa
comida, boas garrafas de bebidas, aceito em todos os bares e festas da
sociedade. Um boa praça bem de vida. Me adaptei a um certo vicio, mas isso não
vem ao caso talvez mais a frente ele apareça por aqui.
E toda praça merece um banco não é!? E eu um boa praça fui
logo precisando achar um banco para me acostar. Já era o fim da década de 70 me
engracei com uma moça encantadora. A desfrutei e a fiz desfrutar de
maravilhosas coisas. Tudo o que o meu dinheiro podia proporcioná-la. Ficamos
juntos por pouco tempo, o suficiente para ela conceber-me meu primeiro filho.
Meu varão.
A felicidade foi tamanha, mas não por muito tempo. A
principio ela era encantadora, mas não demorou muito e finalizamos nossos laços
e quebramos alguns vínculos. Ela partiu, mas fiz questão de que ela deixasse
meu filho aqui comigo, queria ele crescendo junto a mim. Mas eu como homem sem
nenhuma experiência não saberia como educá-lo. E nada melhor que minha mãe, ela
mais do que ninguém saberia como educá-lo.
Sendo assim fui gastar, torrar e descompensar meu dinheiro
novamente. Isso por longos 10 anos, e sempre com meu vicio na boca e na mão. Um
bom charuto.
E novamente aqui repetirei “toda praça merece um banco não
é!?” Foi então a parti dali que conheci minha segunda mulher. Mas dessa vez foi
diferente, os assentos de seu banco eram novos, a madeira era fresca,
acostar-me me remetia uma espécie de calmaria. Ela me fez descansar de tudo o
que eu havia vivido ou sofrido. Me fez repensar em todo o dinheiro que eu já
tinha gastado, isso foi o que mais me lamentei. Irônico achei mais uma vez um
banco agradável na praça, mas desta vez nem ao menos roupas bem aperfeiçoadas
eu me vestia, nem meus melhores perfumes, cordões de ouro, e na mão nem mais o
charuto. Era só um cigarro barato. Mesmo assim ela me deixou acomodar em seu
assento. O mais surpreendente é que eu a vi crescer, mas nunca imaginei que
estaria ali com ela.
E assim se sucedeu, casamo-nos. Apesar de nada de luxo eu
oferecer a ela, mas sempre ela me contemplava com sua dose de carinho, pratada
de delicadeza, uns cordões de nobreza e a tragada de beleza. E me fez feliz por
muitos anos assim.
Me fez mais feliz ainda quando me concebeu com duas jóias raras.
Duas belezas, duas filhas. Lindas filhas. E puxaram as minhas cerejas, mas o
recheio devo confessar que puxaram todo de minha mulher, tinha as mesmas doses
de carinho, os pratos de delicadeza, cordões de nobrezas e principalmente tragadas
de beleza. Agradeço muito a minha mulher por ter me dado tantas alegrias,
agradeço mais ainda por ter terminado de
educar meu varão.
Mas como todo banco de praça novo e bem madeirado, o tempo
passa e o trata de se fazer desgastado, e os cupins começam a se acomodar. Talvez
a culpa foi de quem se sentou, e não
cuidou, infelizmente desgastei meu banco, minha esposa, o meu amor, e minha
vida. Talvez por não ter mais todo aquele dinheiro e luxo de antes. Comecei a descontar minhas lamentações em cima dos que viviam a minha volta e me
queriam bem, nunca me conformei com a forma que fui perdendo meu dinheiro e
consideração que tinha de todos antes.
Foi desde então que entrei numa depressão profunda, essas de
não querer falar com ninguém, não falar pra ninguém, não falar de ninguém, não
ser ninguém. Fui perdendo o brilho do meu olhar conforme perdia o brilho da
minha vida, não sentia animo pra nada. Minha mulher não agüentava mais tanto
desamor, tanto desapego. Ela não queria que nossas filhas crescessem num
ambiente tão desgastado. Nos separamos.
Mas eu não agüentei, deprimido ou não, sem brilho ou não. Ela
ainda me trazia a paz mais do que ninguém. Queria o que pelo menos era meu de
fato estivesse junto a mim. No reatamos.
Mas minha ignorância foi maior, e nada do que ela fazia nem
minha filhas adiantou. Adoeci calado, não queixava a ninguém, fui morrendo aos
poucos em silencio. Por muitos anos senti minhas dores, de olhos fechados para
que nunca vissem minhas lagrimas, eu era machista demais pra me expor assim. Mas
houve um dia em que tudo dentro de mim não se agüentou mais. As represas se
abriram, a angustia gritou, a dor me sacudiu. Morri sozinho, longe do meu
banco, do luxo, do dinheiro, da praça, de meu varão, das minhas jóias, da
alegria. Apenas com a bagana de cigarro na mão.
(Ilana Odorico)
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